domingo, 15 de novembro de 2009

APESAR DE ESSA INFORMAÇÃO JÁ TER SIDO, POR DIVERSAS VEZES, INDICADA AOS ALUNOS, LEMBRA-SE, MAIS UMA VEZ, QUE O E-MAIL OFICIAL DE CASIMIRO RODRIGUES É: casimiro@uac.pt

terça-feira, 3 de novembro de 2009

"LUSÓFONOS"?

... OU UMA OUTRA "LUSOFONIA"?


por Casimiro Rodrigues
Universidade dos Açores

O valor estratégico do domínio de uma língua constituiu sempre um aspecto fundamental. Desde os primórdios da expansão, o pragmatismo dos portugueses tornou clara a necessidade - sempre que possível ou quando falhavam as demonstrações da nossa artilharia, com fama justificada de se encontrar entre as melhores da sua época - de estabelecer «contacto» com povos de variadas regiões. Nas embarcações foram-se tornando usuais as figuras dos “língoas” - os intérpretes, diríamos nós.
A importância da língua quer como factor de comunicação quer como instrumento político constituiu factor nuclear que acompanhou outras formas globais de «contacto» – seja lá isto o que for - , «dominação» ou “pura” relação religiosa, comercial, diplomática.
O domínio, conhecimento e uso das línguas locais assumiu-se, desde cedo, como uma forma de permitir aceder eficazmente à concretização dos nossos objectivos. Entre os vários países europeus, foi variável esta apetência para o recurso às línguas locais entendida como uma forma sistemática visando o controlo possível das populações.
A realidade conturbada da segunda metade do século XIX e correspondente corrida de diversos estados europeus rumo a África acentuou a necessidade de repensar a relação com as línguas locais. Este panorama foi especialmente sentido por muitos missionários que procuravam rentabilizar a eficácia na transmissão da sua mensagem.
A importância do conhecimento das línguas locais foi uma realidade que, se muitas vezes não era entendida pelos poderosos e pelos políticos o foi, apesar de tudo, por muitos dos humildes que, uma vez em África, tinham de juntar o seu conhecimento ao das tradições, usos e costumes que tantas vezes adoptaram, num processo que ficou conhecido, nos seus casos mais intensos, por “cafrealização”. É uma outra história mais ou menos anónima, mais ou menos marginal, mas cuja importância no quadro desse fenómeno que ficou conhecido por “colonização” está ainda por apurar.
A relação da língua portuguesa com as línguas bantu foi ganhando complexidade. Os “empréstimos” sucederam-se. Certas palavras ganharam novos sentidos. Quando Samora Machel pretendeu o reforço da língua portuguesa no período imediatamente posterior à independência de Moçambique demonstrava plena consciência da sua importância como factor de unidade nacional, como instrumento político, como meio de cultura, num país dotado de uma pluralidade de línguas bantu.
Sabemos, acima de tudo, que hoje se coloca à língua portuguesa a tarefa de se relacionar, enquanto língua nacional que também é, com as outras línguas nacionais que são, como ela, importantes reservatórios de cultura e, à sua semelhança, elementos característicos de uma identidade plural. Situação tanto mais delicada porquanto os poderes políticos nos novos países independentes dificilmente poderão prestar um apoio equitativo a todas as línguas existentes. O desafio, a grande aventura, consiste no estabelecimento e preservação dinâmica no contacto com as línguas africanas - tanto quanto a realidade e a vontade política o permitirem. E têm permitido.
Sendo a língua parte de uma cultura, a sua passagem para um outro universo cultural não pode ser neutra. As especificidades da língua que chega juntam-se às das línguas com que convive. Apesar das mágoas de todos os indefectíveis da tradição. Nada mais voltará a ser como era. Esbate-se a tradição «pura», o que equivale a dizer a pureza da tradição. As novas formas do português são isso mesmo. Novas. Para desespero de uma qualquer norma comum que deve sobreviver para além da norma, conveniente, de cada país que usa a língua portuguesa. A riqueza está na diversidade. Também na língua portuguesa.
Ser «lusófono» é ser diferente. Sem pretensas afinidades isentas de sentido mas com outras condicionantes: de interesses, de políticas, de desejos, de anseios. Somos lusofonamente diferentes e por isso somos. Uma força, um ideal, um conjunto de interesses económicos e de benefícios recíprocos. Todos diferentes e, felizmente, nem sempre iguais no que respeita aos nossos interesses respectivos. Ainda que perseguindo, muito frequentemente, metas comuns. Porque somos demasiado complexos para que possamos almejar a normalidade global que não temos e nos não interessa. Europeus, africanos, continentais, arquipelágicos, e o que mais se pretender, juntamo-nos na língua, que nunca é rigorosamente igual, para perseguirmos o nosso desenvolvimento, cada um, a seu modo. Sem cinismos. Somos uma língua de um milhão de matizes porque somos, dessa forma, mais fortes.
A língua portuguesa é, em muitos locais, língua de comunicação: oficial, ou segunda, às vezes materna ou convivendo com outras africanas maternas línguas. A planificação da língua, gerada numa engenharia linguística que se traduzirá finalmente, mercê dos trabalhos imensos abertos aos profissionais do ramo, numa política linguística de difusão – mas de acordo com cada país e a sua realidade, de reforma interna, da norma específica, em cada nova nação. A verdade é que cada sistema novo lexical, fonológico, sintáctico ou discursivo espelha as realidades de uma cultura que já não é somente exclusivo apanágio da língua portuguesa, por um lado, ou das línguas africanas, por outro. Pelo menos se entendida de um modo que não contemple, nessa pátria que não se esgota na língua portuguesa, o universo da diversidade de culturas e mundividências. Um universo, só assim - múltiplo, diverso, complexo - somatório de especificidades.
Verdadeiramente «lusófono» porque universalmente diferente.